21 de fevereiro de 2011

O dia da entrevista

Depois de meses de desespero e apreensão, o dia chegou. Manso, amanhecendo lentamente... Eram nove horas da manhã e parecia que quem não estava querendo levantar da cama era o Sol, quando quem não queria viver este momento de aflição era eu.

“A vida é feita de desafios e recompensas, mulher! Pra fora da cama, vamos!”, pensei. Mas meu corpo ainda se negava a ter que encarar todo o stress que estava previsto. Previsão esta feita pela minha própria cabeça, dentro de toda a reflexão sobre o que esta entrevista representaria para a minha vida. Afinal, não é qualquer um que encara, em termos gentis, a “trozoba” de fazer um doutorado e, ainda por cima, em um país tão maluco.

“Bom dia, bebê”. Meu namorado acordou – depois de ter dormido comigo, que estava à beira de um ataque de nervos no dia anterior –, ficou sentado na cama, me olhou e eu disse “Não quero ir...”. É facinante a forma com que ele me olha com cara de “Aham! Tá!” e, em silêncio, consegue me dizer pra deixar de bobagem. Limitou-se a dizer: “Vou preparar o café da manhã”; e foi tirando as coisas da geladeira, enquanto eu me enrolava como uma bola embaixo dos cobertores e pensava no matadouro em que ia me meter em algumas horas.

Como disse meu pai, na véspera, sempre foi assim. Não havia uma prova de colégio que fosse que eu não ficasse desesperada e chorasse. Já fazia parte de uma rotina de auto-cobrança comum.

O celular soou a nobre canção do jogo de video-game, indicando que alguém me ligava. Era a minha avó. Fazia um tempo que não conversava com ela ou com o meu avô. Ligaram pra desejar boa sorte e me dar força. Acabei aos prantos de novo, como boa medrosa que sempre fui. A voz dos meus dois “velhinhos” me fez tremer na base. Tanta gente confiando em mim, tanta gente esperando uma boa notícia. “E se eu não conseguir?”, repetia pra mim mesma de cinco em cinco segundos.

Foi assim com a ligação seguinte, direto do Arizona. Mais gente apostando as fichas no inglês que o colégio me deu e no japonês que eu ainda não me considero sabendo.

Tomei café com o namorado e me despedi dele com a forte ânsia de propôr uma fuga romântica para um lugar onde ninguém nos encontraria e onde eu não precisasse fazer aquela entrevista. Mas logo lembrei que o mundo real chamava e precisava me arrumar. A velha questão da “primeira impressão”. Terninho, sapatos lindos e altos, maquiagem, documentos e cara de confiança (ou uma tentativa de...).

Cheguei no prédio, dentro do campus, estupidamente cedo, como é de praxe no meu universo paralelo. Melhor esperar por horas estando nervosa, do que chegar atrasada e nervosa. Encontrei logo meu amigo russo e fiquei um pouco mais aliviada por ter um rosto familiar por perto.

A sala de espera estava cheia mesmo antes da meia-hora de antecedência. Assim são os japoneses. Quem inventou a expressão “pontualidade britânica” com certeza nunca veio a este arquipélago.

Dado o momento em que começaram as explicações dos secretários, nada do que eles estavam falando entrava na minha cabeça, nem o japonês mais básico. Veio o pânico de não ter entendido bem o que devia fazer, mas deixei passar. Tinha coisas mais graves para me preocupar, como, por exemplo, a possibilidade de bloquear o meu inglês na frente da banca que decidiria o meu futuro por mais 3 anos.

A explicação acabou e veio com ela a informação de que esperaria mais de duas horas pela minha vez. Doutorado por último. “Que beleza! DUAS HORAS! Vou infartar! Certeza! Sou a ÚLTIMA da minha sala. ÚLTIMA! Que tipo de hierarquia coloca os futuros mestrandos na frente dos futuros doutorandos?”, me revoltei pensando. “Ok! Calma ae, mulher! Cruzes... Por que tremer assim? Eu, hein?”, pensei e tentei focar em outras coisas. Já tinha me convencido bem antes de que não havia mais nada para estudar, que estava tudo dentro da cabeça, mas me rendi a dar mais uma olhada em alguns conceitos. O russo insistiu no convite para tomar um café e eu me rendi novamente, afinal seriam mais duas horas. Tomei o café e voltei para a sala, não conseguia não saber como andava a ordem de entrevistas ou se a minha vez estava mais próxima. Sentei na cadeira e comecei a perceber que o tempo, na verdade, estava voando. O intervalo de descanso da minha sala passou voando e logo eu era a próxima a ser chamada.

“Kyuu-zero-zero-nana bangou! E paneru e itte kudasai!” (“Número 9007. Dirija-se ao painel E por favor.”), anunciou o secretário. Era eu. Fui. Tremendo da cabeça aos pés. Pensei na forma certa de entrar na sala, na forma certa de falar em japonês que preferia falar em inglês, na forma certa de sentar, na forma certa de me portar. Cheguei à cadeira de espera na porta da sala e não consegui sentar, fiquei de pé escutando a entrevista anterior, toda em japonês, desesperadora. O candidato anterior saiu, virou gentilmente e disse “dozo” (“pode entrar”). Meu coração saltou e veio parar na minha garganta.

Bati duas vezes na porta, esperei a autorização, entrei, comprimentei a banca e parei ao lado da cadeira. Só sentei quando fui autorizada, assim é a regra de formalidades de uma entrevista. Minha futura orientadora estava lá, me olhando. Parecia também nervosa. A entrevista começou e fui fazendo o que sei fazer, defender o meu peixe, a minha filha, a minha pesquisa. Nada passava pela minha cabeça, parecia que tudo estava saindo no automático. E foram os 15 minutos mais longos da minha vida. Já me sentia tendo recitado toda a Bíblia para aqueles quatro professores visivelmente cansados após um dia inteiro ouvindo alunos que tinham o mesmo objetivo que eu, convencê-los de que éramos capazes.

A entrevista acabou e com ela veio o alívio de estar liberta. Já não me importava o resultado de tudo aquilo, eu tinha feito a minha parte. Senti a confiança de que tinha defendido o título de Bacharel em História que recebi há dois anos e, ao mesmo tempo, o título de mestra em História Comparada que viría a receber dali a dois meses. O sorriso de “acabou” tentava a todo tempo escapar pelos lábios, mas eu o repreendi até o momento que ouvi a voz cansada da minha mãe pelo telefone, a voz que estaria lá se fosse possível para me esperar sair daquela sala. Contei “tintin por tintin” e, quando terminei, a missão era voltar pra casa e dormir o que o stress não tinha me permitido fazer antes.

O resultado viria duas semanas depois... E eu passei. Sim! A partir de abril, serei uma doutoranda no Japão! Ah! Que alegria. Tristeza de certo modo, pois serão mais 3 anos longe do meu lugar, mas um acontecimento maravilhoso que essa nova experiência me trouxe.


5 comentários:

  1. Eu fiz questão de ler o que tinha escrito no seu lindo blog.. E li tudo,todos os detalhes,do seu dia tão tenso, mas que 2 semanas depois,o seu sonho se realizando..
    Minha melhor amiga..você é um exemplo pra mim, um espelho,uma pessoa mega próxima,apesar de nossas vidas tomarem rumos diferentes(o que é normal rs), que me faz ver e acreditar que realmente tudo o que queremos é possível, só nos basta ir a luta,seguir em frente, porque o que é nosso está guardadinho..Te amo SIM!e MUITO e INFINITAMENTE!por tudo o que você é, por tudo o que representa nossa amizade!! Tenho um orgulho enorme de você, que é indescritível,e um desejo que SEMPRE o melhor possa ser SEU!Através das bençãos de Deus! SAUDADES e MUITAS,é o que eu sinto!E vou permanecer sentido durante mais 3 anos né?!Mais tendo a certeza que é o melhor para vc, e se é melhor pra vc, é melhor pra mim tbm! Chega logo março!Quero te ver! =)
    TE AMO MUITO! VC SABE DISSO! Beijos Mari

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  2. Como sempre, sabendo transformar os sentimentos nas palavras possíveis...Delicioso! Bjs

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  3. Alegria e tristeza que todos nós aqui sentimos. Mas mais alegria.

    É bom saber que, ainda assim, nos próximos 3 anos, vou poder tentar juntar dinheiro pra te visitar ;)

    Tu só me dá orgulho!

    :*********

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  4. Fazendo das palavras de Marcus as minhas, essa menina só dá orgulho!
    Com certeza toda a sua família e seus amigos, por mais que estejam com o coração apertado de saudades, também estão torcendo muito pelo seu sucesso! E eles vibraram com lágrimas nos olhos esse seu primeiro passo vitorioso!
    Parabéns, bebê! Você (sempre) merece(u)!

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  5. Às vezes fico sem saber qual a real "veia" dessa minha filha... Se é a de historiadora, de faixa preta de TKD, de fotógrafa, de gracinha ou de escritora... Tudo q vc faz, faz tão bem feito!! Não consigo acreditar, inúmeras vezes, que fizemos, eu e seu pai, uma pessoa tão especial... Tudo de bom que acontecer na sua vida será pq vc merece, por ser a pessoa q é. E tudo de ruim q por ventura venha a acontecer, também deverá ser bem-vindo, pq servirá para aprimorar a sua existência, q já é tão perfeita. TE AMO MUITÃO!!!! SUCESSO NA EMPREITADA E VAMO Q VAMO!!!!!!!!

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